1.8.06

Sociedade civil, voto nulo, hegemonia e um monte de besteiras, sobretudo

A discussão, como sempre, tá ótema lá no planeta Mary W. Aí eu disse que queria escrever um post sobre o assunto. Mas entre querer e fazer, aqui no meu planeta, a distância é enorme. É que eu tenho uma super resistência em escrever sobre meu tema de pesquisa, medo de falar besteira e tals.
Mas vou só falar besteira mesmo. Vamos lá.
Uma das coisas ditas por ela é que os movimentos sociais são uma via de atualização da revolução. Super acertado. Os movimentos sociais são, sim, uma possibilidade. Pela própria definição (ui!) eles são atores sociais que se organizam para propor mudanças estruturais na sociedade. Um projeto contra-hegemônico.
No Brasil, e na América Latina, como um todo, os movimentos sociais surgem muito influenciados pelas idéias gramscianas. Gramsci (à grossíssimo modo, porque eu só vou estudá-lo no doutorado!) considera a sociedade civil palco fundamental para a criação de projetos de hegemonia, com vistas à dirigir política e intelectualmente a sociedade. Para ele, a sociedade civil é peça fundamental para a revolução comunista - é preciso ter um projeto hegemônico (ou contra-hegemônico).
Isso influencia a esquerda latino-americana, que passa a enxergar nos movimentos sociais, articulados também à luta contra os regimes autoritários, uma possibilidade de atualização dos seus projetos políticos. No Brasil, essa é uma das forças principais na criação do PT, junto com o apoio de intelectuais de esquerda e do novo sindicalismo.
Com abertura democrática, a sociedade civil, que antes era palco de resistência ao Estado, é convocada a participar da gestão pública. Isso das formas mais bizarras que a "república macunaíma" pode promover: congrega tanto a participação em conselhos gestores, e no controle social, como a idéia ultra neoliberal de "parcerias", que no fundo, não passam de transferência de responsabilidade do Estado para essa mesma sociedade civil, além de um projeto cujo intuito maior é despolitizá-la, pela via da "solidariedade" e do "voluntariado".
Isso é um claro exemplo de projeto de hegemonia: despolitizar, impedir que a sociedade civil organizada tenha voz. Aí você diz que todo mundo é sociedade civil, inclusive o mercado, através da tal da responsabilidade social empresarial. Todo mundo vive feliz no mundo encantado da solidariedade. Esse projeto também atende pelo nome de "terceiro setor".
Pois bem. O projeto dos movimentos sociais não era bem esse, claro que não. Trata-se de um projeto democrático-participativo, no qual a sociedade civil ocuparia espaços de deliberação pública (Conselhos Gestores de políticas, fóruns, orçamentos participativos) com o intuito de participar efetivamente da gestão estatal. Daí o projeto de socialismo na democracia, do PT.
Acontece que esse projeto se embananou. Quando toda a crise política estourou, lembram daquela história do PT voltar para as bases? Era mais ou menos isso: cadê nosso projeto de hegemonia?
Então, é claro que 51% dos votos nulos em uma eleição são um mecanismo legítimo de expressão de descontentamento com o regime, com os políticos. O que menos importa nesse caso é se a eleição seria anulada de fato. Porque democracia, dentro dessa perspectiva de análise - que considera a sociedade civil como ator político da maior relevância - tem que incorporar todo o significado simbólico que um tipo de movimento desse carrega.
Agora, acho que eu devo responder a pergunta feita também por ela (que eu imaginei que você faria quando escrevi, e agora, acho que ainda mais!): por que, diante disso, eu ainda voto num partido nessas eleições?
Porque, através da militância no PT, eu sempre acreditei nessa articulação entre esquerda, movimentos sociais, sindicatos: um projeto de hegemonia. Na institucionalidade, um projeto de radicalização da democracia, pelos meios participativos e tal. Trabalhei em Orçamento Participativo, na gestão da Marta, na campanha do Lula. Talvez vocês pudessem me dizer: mas por isso mesmo não é coerente votar ainda no PT, esse governo não levou a cabo esse projeto.
Pois é. Não totalmente. E detonou geral no quesito "vamô fazê igual a toda a corja". Mas do mesmo jeito que o Brasil é muito mais do que qualquer litoral, eu acredito no PT para além dessa crise política.
Foi feio, não podia. Eu sei. Pode ser que eu me decepcione (mais). Mas eu ainda tenho muita ligação com o PT, para além do que apareceu na mídia nesses quatro anos. É claro que para uma coisa essa crise foi boa, a gente "baixou a crista" (fosse em 2002, eu estaria argumentando aqui no melhor estilo xiita). Posso estar equivocada, posso voltar átras. Entendo um movimento de insatisfação, acho legítimo.
Mas não disse o velho Weber que política também é paixão? Até ciência é. Eu ainda fico no PT.

23 Comments:

Anonymous Anônimo said...

eu também ainda fico no PT.

9:26 AM, agosto 01, 2006  
Anonymous Anônimo said...

mas eu nao sei se um partido tem condiçao de fazer a contra-hegemonia. porque eu achava q tinha. e achava, inclusive, que era mais avançado institucionalmente. mas o aparelhamento foi tao complicado. e eu acredito, ainda, no zé dirceu. que isso q ele fez tinha fins de fincar raízes dentro do estado. acredito mesmo nisso. mas é no minimo polemica essa tatica dele. e nao sei se o partido todo partilha de uma visao contra-hegemonica. acho q se perdeu na institucionalizaçao mesmo. ficou sistemico demais. enfim. nao voto mais em partido.

10:10 AM, agosto 01, 2006  
Anonymous Anônimo said...

e eu acho os conceitos de hegemonicos e contra-hegemonicos tao modernos. e possiveis de serem pensados de forma pos-moderna ainda por cima. nao importa a idade do conceito. apenas se ele dá conta. esses aí acho q dão conta. (para cicero essa)

10:11 AM, agosto 01, 2006  
Anonymous Anônimo said...

e mais uma coisa ainda. eu nao entendo muito de movimento social. mas tipo. quando estudei o feminista, fiquei bastante chateada com a parte da cooptação. quando o movimento foi cooptado e perdeu a possibilidade de protagonismo numa possivel revoluçao. ou num projeto contra-hegemonico ou sei lá. enfim. nem sei porque to falando isso. precisei.

10:13 AM, agosto 01, 2006  
Anonymous Anônimo said...

ai. e Parabéns!!!

10:18 AM, agosto 01, 2006  
Blogger Giu! said...

Caralho. Por isso que eu te amooooooo, sou PT ainda sim!
:D

11:02 AM, agosto 01, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Muito bão!! nem falou besteira nem nada. isso fica pra mim: tá escrevendo uma dissertação? então nada de "America Latina como um todo", ela é um todo ou então fale logo das partes. E nada tb de "eu enquanto revolucionária", substitua o enquanto por como. sempre. Me disseram isso na bucha quando defendi a dissertação. Na tese, com os cuidados extras, recebi aplausos. Vc já está aplaudida por mim. bjins

12:49 PM, agosto 01, 2006  
Anonymous Anônimo said...

O seu post é ótimo mesmo, mas eu continuo discordando. No sentido de que você acredita na ideologia do PT e não no que ele executa de fato. E é muito complicado porque o Lula é tipo a CARA do PT. Se ele não é a melhor representação da ideologia do partido (aquela que está nos estatutos, nos programas de governo, enfim: apresentada ao público enquanto idéia), quem mais lá dentro pode ser? Eu acho o Suplicy (o Eduardo) um cara que me passa credibilidade lá dentro, mas só ele. E, ainda que fosse ele o candidato, ele estaria representando todo o partido (cheio de outros caras que não seguem aquela ideologia que nos apresentaram) e tendo que trazê-los consigo. Eu entendo o seu ponto, mas discordo muito (desculpa vir aqui te peitar assim, nem te conheço, afinal!)

1:42 PM, agosto 01, 2006  
Anonymous Anônimo said...

gente! que discussão uau! saudável, né? bem, concordo com a dona do post: "51% dos votos nulos em uma eleição são um mecanismo legítimo de expressão de descontentamento com o regime". perfeito isso. e claro! acho que "o cagaço pensante" do país precisa, mais do que nunca, mostrar OPOSIÇÃO. mais do que isso. precisa mostrar DESCONTENTAMENTO. concordo em absoluto com o Klein e tô com a Mary W. e não abro: nessas eleições o meu voto é nulo. nulo pra partido. nulo pra o Lula. mas não nulo pra mim.

3:00 PM, agosto 01, 2006  
Blogger Giu! said...

O mundo é das TOP FOUR.
FELIZ ANIVERSÁRIO POR AQUI!

5:06 PM, agosto 01, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Eu sinceramente acho que o PT está cumprindo sua proposta "histórica" de projeto democrático-participativo. Pode não ter levado às últimas conseqüências como gostaríamos (nós, meia dúzia de intelectualóides de esquerda, mas não o povão, que votou no nosso presidentesinho quando o discurso se alterou, se adaptou), mas ainda é muito melhor que o projeto opositor. Eu acho que votar nulo é jogar fora alguns ganhos que conseguimos.

7:56 PM, agosto 01, 2006  
Anonymous Anônimo said...

belo post, kellen!!

beijão,

8:07 PM, agosto 01, 2006  
Blogger Nelson Magela said...

Acabaram-se os argumentos. Acabaram as idéias. Acabara as esperanças. O que segura o PT hoje é um monte de pessoas que dependem financeiramente de projetos assitencialistas (que acomodam ainda mais esses probres coitados)e desses românticos (apaixonados)como minha amiga.

As ídéias não são mais o motor primário. A paixão que é. As coisas não podem ser assim.

Anular voto é perder o voto sim. Talvez queiramos reagir como uma não obrigatoriedade de votar optando por votar nulo. Infelizmente há pessoas que não conseguem imaginar que pode votar nulo. Apenas votam na bolsa que recebem. Na preguiça que podem ter. No "para quem não tem nada, um pouco é mais que tudo."

Lula será reeleito pelos "que não sabem o que está acontecendo" e pelos "românticos".

A decepção é feita para refletirmos. Preparem-se vem mais por aí.

11:13 PM, agosto 01, 2006  
Blogger Camila Rodrigues said...

Kellen querida,
Assim eu fico convencida a votar novamente, coisa que (com o coração na mão) eu estava pensando em não fazer mais.
Aí, quando eu a USP hoje e vi que a maior propaganda que se faz lá na FFLCH é pelo voto nulo, eu fiquei sem palavras, achando que o voto nulo não passa de muita covadia, não é mesmo?

12:31 AM, agosto 02, 2006  
Blogger Camila Rodrigues said...

Kellen querida,
Assim eu fico convencida a votar novamente, coisa que (com o coração na mão) eu estava pensando em não fazer mais.
Aí, quando eu a USP hoje e vi que a maior propaganda que se faz lá na FFLCH é pelo voto nulo, eu fiquei sem palavras, achando que o voto nulo não passa de muita covadia, não é mesmo?

12:31 AM, agosto 02, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Excelente post. Acho que Surya explica muito bem a questão de forma menos intelectualóide-metida-e-cheia-de-referências , como nós tanto gostamos. Ainda fiz uma afirmação ao seu post no meu blog.

2:05 AM, agosto 02, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Bem legal o post! Eu tenho dificuldade de compartilhar com quem não é daqui de Belo Horizonte minhas opiniões sobre o PT. Porque a verdade é que os paulistas (principalmente) têm uma visão muito diferente da distância entre a teoria e a prática no caso do PT. Mas aqui, cidade governada por esse partido (e suas coligações) há pelo menos 12 anos, é muito gritante que é possível aproximar esses eixos. Meu marido foi em uma reunião do Orçamento Participativo (que funciona mesmo, superbem), por conta de uma demanda do nosso bairro. E ficou uau com a organização e o nível de politização dos participantes. Porque o mais bacana é que essas coisas se aprendem assim, fazendo. E uma coisa ninguém tira mais do PT daqui: ele ensinou a uma parcela significativa da população (principalmente de periferia) a força da mobilização. (Nossa, a diferença disso pra era do Sérgio Ferrara aqui, putz, anos luz!) Então não consigo achar que simplesmente o PT faliu. Não todo o PT faliu. Não mesmo. O que eu acho também (e aqui vou ser polêmica, por conta da audiência maior deste blog) é que o PT paulista podia largar um pouco o osso e deixar a experiência do partido em outros estados ganhar mais visibilidade.

10:06 AM, agosto 02, 2006  
Anonymous Anônimo said...

é horrivel ficar dando palpite no blog dos outros. mas acho que o núcleo do PT é paulista (e a experiencia de orçamento participativo funciona aqui tb, inclusive em cidades do interior e blá) entao nao tem muito como fugir disso. e o psdb tb é um partido paulista. a verdade é que a redemocratizaçao teria mesmo que ser paulista. nao há como ser diferente.

10:14 AM, agosto 02, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Rebatendo o Nelson e sendo bem mau-educada no blog alheio (nem tão alheio, então me sinto à vontade para falar como se estivesse numa mesa de bar na liberdade): para quem não tem nada, ter comida na barriga é mais que tudo sim. Chamar projetos de redistribuição de renda como bolsa-família, bolsa-escola, e demais bolsas (inclusive as nossas, que aumentaram de número assim como os concursos para professores nas universidades públicas?) de "assistencialistas" me parece um discurso neoliberal ou... de quem está com a barriga cheia.

11:06 AM, agosto 02, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Hahahaha. Não falei que ia ser polêmica? Larga o osso, Mary W. Chega de SP na presidência! ;-) A bem da verdade esse núcleo paulista foi o que saiu mais queimado. E acho mesmo que paulistas são muito auto-referentes (Giu, conta pra elas da sua amiga, que, quando a gente tava em Angra comentando com a Monix sobre a Lapa, perguntou "ué, no Rio também tem Lapa?!!" Hahahahahha! Essa história pra mim é um ícone do que é o paulistano). Mas enfim, apesar da reclamação, por enquanto não vejo muito horizonte pra essa mudança, não (a não ser no PSDB, que o Aecinho vai firme e forte aí apontando como promessa e tal... Nhé). Porém, pro futuro, recomendo prestarem mais atenção ao Fernando Pimentel também.

12:07 PM, agosto 02, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Em relaçao ao núcleo paulista, acho que a Ju tem razão: o PT é muito mais do que a experiência paulista, e isso tem que ganhar visibilidade. E por mais que seja importantíssimo ganhar aqui, até porque eu moro aqui!rs. Os paulistas ainda são muito conservadores: concordo com você, é difícil valorizar essas experiências aqui. A "classe média" já começa a falar que bolsa família é assistencialista, que orçamanto participativo é inócuo. Como disse a Mary W num outro post, essa classe média que atrapalha o país, porque não quer largar a migalha: isso é retrato de São Paulo, infelizmente. Trabalhando em campanha eleitoral, isso aparece aos montes em São Paulo. E agora, vão eleger Serra, veja só.

12:25 PM, agosto 02, 2006  
Anonymous Anônimo said...

ai, mas eu nao defendo essa paulistanizaçao da presidencia. pelo contrario. eu só acho que a redemocratizaçao tinha q passar por sp. porque o projeto de modernidade tem o estado como "locomotiva" hahaha. e tem mesmo. e a base do PT é operaria. Como ele poderia ser mais forte em outro lugar que nao o ABC? é impossivel. E um partido de quadros como o PSDB? Como poderia ter outro nucleo que nao a USP e essas coisas? mas eu nao defendo nao. só acho obvio que seja.

1:09 PM, agosto 02, 2006  
Blogger kellen said...

depois que postei o comentário, pensei que uma coisa não tinha a ver com a outra, necessariamente. entendi o que vc quis dizer com a redemocratização passar por sp, acho que sim. e o "grosso" do movimento foi aqui mesmo, tá certíssima. acho que tudo o que a gente falou é complementar: começou aqui, tinha mesmo que ser. tá ganhando outros espaços, e tem que continuar. o que me deixa "de cara" é o retrocesso paulista, fico com vergonha até. haha

1:50 PM, agosto 02, 2006  

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